quarta-feira, 16 de maio de 2012

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

Hoje é um dia histórico para a democracia brasileira.
A presidenta Dilma Roussef, na presença dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, instalou, oficialmente, no Palácio do Planalto, a Comissão da Verdade, criada pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas pelos agentes públicos, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
As lágrimas da presidenta Dilma Roussef, ao lembrar dos mortos e desaparecidos políticos, na solenidade de hoje, são as lágrimas da Nação. São as lágrimas de centenas de mães, esposas, filhos que lutam há anos para terem o direito sagrado de enterrar seus entes queridos.
Vinte e sete anos depois da retomada da democracia em nosso país, a presidenta Dilma Roussef tem a coragem que dar mais um passo decisivo para o processo de efetiva consolidação do regime democrático, a exemplo do que já foi feito no Chile, na Argentina e no Uruguai.
A Comissão da Verdade é instalada no mesmo dia em que entra em vigor a Lei de Acesso à Informação Pública, que dá a qualquer cidadão o direito de solicitar, sem precisar explicar sua motivação, todo e qualquer documento público, como arquivos, planos de governo, auditorias, prestações de contas e informação de entidade privada que recebem recursos do poder público, o que reforça ainda mais a sua atuação.
O Brasil não pode mais continuar convivendo com o silêncio, a mentira, a dissimulação e com o fantasma que ronda a vida de centenas de famílias brasileiras que lutam por um direito elementar e sagrado: sepultar os corpos de seus entes queridos, mortos e desaparecidos pelos órgãos de repressão política da ditadura militar.
Não se trata aqui de revanchismo, como equivocamente apregoam alguns militares da reserva que temem que a verdade venha à tona. Trata-se, isso sim, de um resgate histórico.
Como disse a presidenta Dilma em seu discurso: "A comissão não abriga ressentimento, ódio nem perdão. Ela só é o contrário do esquecimento".
O Brasil tem o direito de saber onde e como cerca de 379 brasileiros, dos quais 150 ainda são dados como desaparecidos, foram assassinados pelos agentes da repressão. Mais do que isso, tem o direito de saber onde estão os corpos desses 150 brasileiros tidos como desaparecidos para que suas famílias possam enterrá-los com dignidade.
Os sete integrantes da Comissão da Verdade são nomes de notória reputação e respeitabilidade jurídica, profissional e política e nos dão a garantia de que os trabalhos dessa Comissão serão realizados com rigor, seriedade e isenção.
Ao contrário do que alardeiam ex-militares, alguns deles profundamente comprometidos com a repressão da ditadura, a função da Comissão da Verdade não é punir os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos desses brasileiros, que lutaram em defesa da democracia e da liberdade.
A função da Comissão da Verdade é, como deixa bem claro a Lei que a criou, esclarecer os fatos e as circunstância dos casos de graves violações de direitos humanos, esclarecer os casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres, identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas à prática de violação de direitos humanos e promover a reconstrução da história de violações dos direitos humanos e colaborar para que seja prestada assistência às vítimas dessas violações.
Trata-se, portanto, de um reencontro com a nossa história. Para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça.
Não podemos entrar na falsa polêmica estimulada por ex-militares comprometidos no passado com a repressão política e seus crimes de que a Comissão da Verdade precisa ouvir “os dois lados”.
Como bem definiu o professor da UFF, Daniel Aarão Reis, em artigo no Globo de ontem, não existiram dois lados, como num combate convencional. Houve sim o Estado, com todo o seu aparato repressivo contra algumas centenas de brasileiros que se insurgiram contra a ditadura, numa luta extremamente desigual, onde membros das Forças Armadas, Polícias Militares e Civis praticaram crimes de lesa-humanidade. São esses crimes que cabe, agora, à Comissão da Verdade investigar e esclarecer.
Ou como disse o insuspeito diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, um dos integrantes da Comissão da Verdade: “Não tem essa historia de dois lados, o outro lado já foi suficientemente condenado, assassinado, desaparecido”.
O Brasil espera que a Comissão da Verdade, ao final dos seus dois anos de trabalho, consiga oferecer respostas conclusivas à sociedade brasileira, a questões como as levantadas pela Folha de São Paulo de hoje, e que ainda estão sem respostas:
O que o Exército fez com os guerrilheiros do Araguaia presos com vida e que continuam desaparecidos?; como morreu Vladimir Herzog?; quem matou o ex-deputado Rubens Paiva? O que fizeram com Stuart Angel Jones, filho de Zuzu Angel? quem foram os torturadores nos porões da repressão? o que aconteceu no DOI-CODI do II Exército, um dos maiores centros da repressão política, onde morreram cerca de 50 presos, de setembro de 1970 a junho de 1975?; o que ocorreu na Casa da Morte, em Petrópolis e no Sitio 31 de março, em São Paulo? como funcionou a Operação Condor, aliança entre ditaduras do Brasil, do Chile, do Uruguai e da Argentina?; onde foram enterradas as vítimas do regime militar?; como morreram João Batista Drummond, preso na Chacina da Lapa, Carlos Nicolau Danielli, Alexandre Vanucchi Leme, entre outros? O que aconteceu como Honestino Guimarães?, entre outras.
O que o Brasil quer e precisa é ter respostas sobre essas e outras questões que elucidem e esclareçam os casos dos nossos mortos e desaparecidos. E essa é a principal tarefa da Comissão da Verdade.
Julgar e punir os responsáveis por esses crimes é outra questão, que não está nas atribuições da Comissão da Verdade.
O que não podemos é continuar convivendo com o silêncio, a mentira, a dissimulação ou a desfaçatez, como a do coronel do exército Maurício Lopes de Lima, identificado como um dos torturadores da hoje presidente Dilma Roussef, no DOI-CODI do II Exército, que em entrevista ao Globo de ontem teve a cara de pau de dizer que a cadeira do dragão, um dos mais notórios instrumentos de tortura utilizados nos porões do regime militar, “servia apenas para prender os braços do detento”.
A hoje presidenta Dilma Roussef e tantos outros brasileiros que sofreram com as torturas nos porões da ditadura sabem que isso não é verdade.
Ao esclarecer tudo que efetivamente ocorreu durante a ditadura militar, a Comissão da Verdade estará, também, contribuindo para que fatos como aqueles nunca mais se repitam.
Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.

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