quarta-feira, 27 de julho de 2011

E agora Sarney?

Ustra e Merlino, na época; Ustra e Sarney, hoje

Hoje é um dia histórico. Às 14h30, no Fórum João Mendes do Tribunal de Justiça de São Paulo, no centro de São Paulo, será realizada a esperada audiência do processo movido pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado no DOI-CODI do II Exército, no dia 17 de julho de 1971, após ser brutalmente torturado por 4 dias, contra o coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do mais temido centro de torturas da ditadura militar, de 1970 a 1974. Na ação, a família de Merlino quer a condenação de Ustra como torturador e responsável direto pela morte do jornalista.
Se Ustra for condenado será a primeira condenação de um torturador, responsabilizando-o diretamente, na condição de comandante do DOI-CODI, pela morte de vários militantes políticos nos temidos porões da Rua Tutóia.
Será uma decisão inédita e histórica.
Sob o comando de Ustra, o DOI-CODI paulista registrou 40 mortes e uma denúncia de tortura a cada 60 horas, segundo a Comissão de Justiça e Paz do cardeal Paulo Evaristo Arns. Em depoimento oficial ao Exército, Ustra contabiliza em São Paulo, no período de 100 meses, entre janeiro de 1969 e maio de 1977, a prisão de 2.541 “subversivos” e o fim violento de 51 “terroristas” — como sempre, segundo as versões oficiais, “mortos em combate”.
O que, é claro, é mentira. A quase totalidade dessas mortes ocorreram na tortura, realizada numa sala no térreo do prédio em que funcionava o DOI-CODI, na Rua Tutóia, em São Paulo, ao lado da entrada da carceragem, onde haviam oito celas - da XO, que era a solitária, à X7, que era a cela das mulheres. Quatro de um lado, quatro de outro lado, separadas por um muro.
O que chama atenção nesse julgamento é a anunciada presença do ex-presidente da República, José Sarney, atual Presidente do Senado e aliado da presidenta Dilma Roussef, por sinal, uma ex-presa política torturada, como testemunha de defesa do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que alega, fantasiosamente, que Merlino morreu atropelado, ao tentar fugir, na BR-116, próximo à cidade de Jacupiranga, quando estava sendo levado para Porto Alegre, a mais de 200 quilômetros de distância da cela onde efetivamente morreu, na Rua Tutóia, em São Paulo.
Realmente, não dá pra entender a presença de Sarney como testemunha de defesa do torturador mais notório do Brasil. Aliás, vale lembrar que foi durante o governo Sarney que a ex-deputada Beth Mendes reconheceu Ustra na embaixada brasileira em Montevidéu, no Uruguai, onde exercia o posto de adido militar. Sarney deve explicações dessa sua atitude e a presidenta Dilma deveria cobrar isso de seu aliado.
O Brasil e os democratas não mereciam isso.
Se Ustra for condenado, estarão também sendo condenados com ele seus comandados no DOI-CODI paulista, exímios torturadores, muitos deles já falecidos, alguns identificados, outros conhecidos apenas pelos seus codinomes: escrivão de polícia Gaeta (Mangabeira), delegado Aparecido Laertes Calandra (Capitão Ubirajara), tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, identificado como um dos torturadores da presidenta Dilma, delegado Pedro Mira Grancieri (Capitão Ramiro), coronel Dalmo Lúcio Cyrillo, capitão Benone Arruda Albernaz, Oberdan, Doutor José, Padre, Ricardo, Carioca, Lungareti e tantos outros.

Leia também o artigo do jornalista Luiz Cláudio Cunha sobre Ustra e Sarney, publicado no Blog Conversa Afiada.
Em tempo: A assessoria de imprensa do senador José Sarney respondeu ao jornalista Luiz Cláudio Cunha.  "O presidente José Sarney não recebeu qualquer citação da Justiça para comparecer no Forum João Mendes e depor como testemunha de defesa do coronel Ustra. Se receber, não irá comparecer porque se recusa a participar de uma farsa armada pela defesa de Ustra com o único objetivo de atrasar o processo em curso", diz a nota, assinada pelo Secretário de Imprensa da Presidência do Senado, Marcelo Tognozzi. O jornalista Luiz Cláudio Cunha replicou a nota de Tognozzi. Leia aqui.

Apenas a título de curiosidade: a primeira foto de Ustra, à esquerda, que ilustra esse post, é de autoria do fotógrafo Salomon Cytrynowicz, o Samuca, então na revista Veja, e é a primeira foto de Ustra publicada pela imprensa brasileira. Eu e Samuca cobríamos uma solenidade do QG do Exército, em Brasília, no chamado Forte Apache, em 1979, quando eu - que fui preso no DOI-CODI em 1972 - cruzei com Ustra no meio do salão. Corri, nervoso e excitado, atrás do Samuca que conseguiu fazer três clicks de Ustra, antes de ser abordado por seguranças que impediram a continuidade do seu trabalho. Semanas depois, Veja publicava a foto, numa matéria sobre tortura no Brasil.

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